Para muitas empresas, a perda de talentos é uma constante. Até mesmo quando há o sentimento de que “todos os esforços estão sendo feitos”. Não à toa, como revelam os dados de estudo da Robert Half, 49% dos executivos destacam que manter os melhores talentos é um dos grandes desafios para 2025.
Segundo o relatório “Tendências Globais de Talento 2024”, do LinkedIn, alguns fatores são decisivos para que os profissionais se sintam motivados a não buscarem outras organizações. Entre eles, destacam-se o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, a flexibilidade e o alinhamento de valores. Ou seja, gestores que acreditam que salários e benefícios suprem a ausência de ações de cuidado e saúde tendem a ver seus negócios perderem competitividade com o tempo.
Mas se assim como os estudos citados, há outros que se propõem a auxiliar as marcas na missão de encontrar caminhos para que seus talentos não sejam perdidos, por que a jornada ainda é, para tantas, tão complexa?
A fim de entender melhor como as empresas podem potencializar a sua retenção, entrevistamos Ana Cláudia Peixoto (capa), Gerente de Gente da Sólides, empresa referência de tecnologia em gestão de pessoas para pequenas e médias empresas (PMEs). Confira o papo:
Top: Hoje, quais fatores podemos elencar como os principais para que as marcas percam os profissionais que fazem a diferença?
Ana Cláudia: A perda de talentos é multifatorial e muito ligada ao contexto. Para algumas pessoas, o que pesa é a ausência de desafios. Para outras, é a falta de reconhecimento ou equilíbrio entre vida pessoal e profissional. E há ainda quem saia por desalinhamento de valores ou liderança ineficaz. Ouso a dizer que está intimamente ligada à inteligência comportamental.
O desafio está em não tratar a retenção como algo genérico. Mapear as causas mais frequentes de desligamentos voluntários dentro da própria empresa é um ótimo início. Mas isso exige dados, escuta e análise.
Top: O que justifica, por tanto, uma inevitável mudança de hábitos. Quais podemos destacar?
Ana Cláudia: Alguns hábitos organizacionais que precisam ser repensados: decisões top-down sem espaço para diálogo, processos engessados e ausência de feedbacks construtivos.
Em vez disso, precisamos cultivar ambientes mais abertos à troca, à escuta e à personalização das jornadas. Trazendo um equilíbrio entre interesses dos colaboradores, mas sempre respeitando o que é possível e sustentável para o negócio.
Evitar a perda de talentos passa por criar relações de confiança e clareza, nas quais as pessoas saibam exatamente onde estão, para onde podem ir e o que se espera delas. E isso é papel de todos, não apenas do RH.
Top: Aproveitando o gancho do RH, qual é o seu peso e impacto para um trabalho de sucesso na retenção de talentos?
Ana Cláudia: O RH é um dos principais pilares nesse processo, mas não atua sozinho. Ele constrói ferramentas, políticas e estratégias, mas é a liderança direta que dá vida a essas práticas no dia a dia. E aqui se mostra que liderança e RH precisam ser parceiros acima de tudo! O peso do RH está em fazer a ponte entre estratégia do negócio e experiência do colaborador, equilibrando metas organizacionais com o cuidado com as pessoas.
O RH precisa entender profundamente o negócio, e também entender as vozes e aspirações dos colaboradores. Essa escuta dupla permite a construção de ações mais assertivas, que não apenas retêm, mas fazem as pessoas quererem ficar porque faz sentido.
Manter talentos não é uma questão de manter todos a qualquer custo, mas de criar um ambiente onde as pessoas certas, para aquele momento e cultura, possam se desenvolver e entregar resultados. E o RH tem papel-chave em garantir que essa construção seja sustentável, coerente e alinhada com os valores da empresa.
Top: Ana, o quanto essa necessidade de parceria entre as áreas – e também o nível do desafio da retenção – se intensifica em um cenário no qual tantas marcas estão deixando de vez o home office de lado e readquirindo um ritmo totalmente presencial?
Ana Cláudia: Esse movimento de retorno ao presencial tem gerado muita discussão, e com razão. Existem realidades muito distintas entre empresas, setores e até mesmo funções. O que funciona para uma empresa de tecnologia, com entregas majoritariamente digitais, pode não funcionar para uma empresa de varejo ou indústria, por exemplo.
Do ponto de vista do colaborador, a flexibilidade virou um diferencial importante, percebido, inclusive, por meio de pesquisas que mostram uma preferência por modelos híbridos ou remotos. Mas do ponto de vista das empresas, há também uma busca legítima por proximidade, cultura viva e colaboração presencial, que nem sempre se traduz da mesma forma no remoto.
Top: Então, tudo depende de como a volta aos escritórios é realizada, correto?
Ana Cláudia: O ponto de atenção aqui é a forma como esse retorno é conduzido. Imposições geram resistência. Escuta ativa, construção conjunta e comunicação clara sobre os motivos por trás das decisões são essenciais para manter o engajamento.
E sim, é possível manter talentos no modelo presencial, desde que o ambiente seja coerente com o que se promete, a liderança esteja presente de forma inspiradora e a experiência no dia a dia faça sentido para quem está lá.
Top: Para finalizarmos, há uma “receita de bolo” para fortalecer a retenção dos talentos?
Ana Cláudia: Entre os fatores mais valorizados hoje estão: propósito claro, autonomia, liderança inspiradora, aprendizado contínuo e equilíbrio de vida. Empresas, de qualquer porte, podem trabalhar esses aspectos, respeitando seu momento e cultura.
Não se trata de copiar modelos prontos, mas de adaptar boas práticas à realidade do negócio. O pequeno empreendedor pode não ter um plano de carreira estruturado, mas pode oferecer um espaço onde o colaborador é visto, valorizado e tem voz. Isso, por si só, já é altamente atrativo.